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Brasília, ideologia e realidade espaço urbano em questão

21,60 inc. VAT

Paulo Bicca e outros
CNPq

Brochura, 72 pp, 13,5 x 21 cm
Portuguese
1985

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Publicado em 1985, o livro “Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão” trata-se de um colóquio formado por dez ensaios de um grupo de estudiosos que pesquisam Brasília, sob a coordenação do geógrafo Aldo Paviani. Uma obra interdisciplinar que abrange diversos aspectos históricos, políticos, morfológicos, econômicos e sociais sobre a complexidade urbana da capital do Brasil, idealizado com o propósito de atingir dois objetivos, amplos e complementares: a) suprir uma lacuna literária e b) resgatar o debate intelectual em torno do discurso dos que eram “contra” ou a “favor” da transferência da capital para o Planalto Central.
Inicialmente, Ricardo L. Farret com “O Estado, a questão territorial e as bases da implantação de Brasília” (1985) questiona sobre os reais motivos que levaram a implantação de Brasília somente nos anos 50, quando a ideia original persistia desde 1789 e discute as condições do processo de produção capitalista e os fundamentos das politicas urbano-territoriais que tornaram a realização da nova capital viável e, talvez, necessária nos anos 50.
Através de uma incursão de aspectos da história brasileira e fundamentos teóricos, estes últimos, principalmente, os desenvolvidos por Max Weber ao estudar os modelos de cidades, Benício V. Schmidt em “Brasília como centro político” (1985) vai além do extenso debate sobre a realização de Brasília como capital que se inicia no século XVIII, o autor nos leva a compreender que por temer possíveis invasões estrangeiras e pela necessidade de ocupar o centro do território nacional, as elites politicas e econômicas uniram-se em favor da criação de uma nova capital, e não pura e simplesmente na construção de um centro urbano.
O caráter político da transferência da capital, até o momento, atrelados a questões históricas e econômicas, no ensaio “O processo de Urbanização e a produção do espaço metropolitano de Brasília” (1985) de Ignez C. B. Ferreira será evidenciado na condução da urbanização do país. Para a autora, Brasília guarda em sua organização interna a particularização dos processos sociais que estão na base da própria urbanização do Brasil.
Em 1985, ano de publicação da coletânea, a Brasília descrita seria a expressão espacial do processo de urbanização brasileira e com uma área metropolitana delimitada, à semelhança das demais metrópoles do país, diferindo-se apenas, como defende Aldo Paviani em “A metrópole Terciária” (1985), quanto ao povoamento polinucleado, com ocupação dispersa e quanto à dinâmica e peso de intervenção do Estado nesse processo. Tipo de povoamento que culminou em uma crescente aglomeração urbana para além do Plano Piloto, crescimento que escapou da previsão dos planejadores, resultando em um padrão centralizado de oportunidades de trabalho e renda mais elevados e em uma população majoritária muito carente de infraestrutura física e social habitando as cidades satélites.
Com o aumento populacional a pressão sobre a oferta de bens e serviços e, principalmente, sobre a habitação foi intensificada. Para Suely F. N. Gonzales em “As formas concretas da segregação residencial em Brasília” (1985) o problema habitacional como fenômeno de segregação sócio-espacial torna-se latente em Brasília no período entre 1970 e 1976 por duas razões: a) o papel da produção da Sociedade de Habitações de Interesse Social (SHIS) que agia com o propósito de desafogar a pressão dos altos preços da habitação no Plano Piloto; b) o período de intensificação da demanda habitacional pela imigração. À medida que as áreas urbanas se expandiram, intensificou-se a ocupação prematura das cidades satélites como resposta à demanda real de habitação daqueles que não possuíam viabilidade de consumo das habitações do Plano Piloto, tendo como consequência a disparidade da qualidade das habitações e dos padrões urbanos de infraestrutura de rede e serviços entre o Plano Piloto e os núcleos satélites.
Tais problemas urbanos denunciaram em Brasília contradições internas que não eram apenas oriundas da formação social brasileira, exógenas, ou seja, estranhas ao que de fato foi planejado em sua origem, para Paulo Bicca em “Brasília: mitos e realidades” (1985) tais contradições já estavam escritas desde o momento em que a nova Capital foi idealizada e não apenas a partir da inauguração. Em conformidade com a ideologia que alimentava o Plano Piloto, Brasília foi considerada como uma cidade integralmente planejada, aos moldes da Carta de Atenas, assim, sempre que a mesma era vista como objeto de critica, uma censura necessária era instituída, visto que o fracasso da criatura seria em parte o fracasso do criador e da ideologia em que foi envolta a criação. A capital torna-se a consagração ou, no mínimo, ponto de partida do suposto projeto nacional, resultado de um urbanismo racionalista, “máquina de morar” e taylorizada, planejada para o trabalho ordenado e eficiente.
Buscando compreender as dadas “distorções” no projeto arquitetônico reflexo da “vida” em Brasília, Frederico de Holanda em “A morfologia interna da Capital” (1985) ao estudar o urbanismo da cidade, a maneira pela qual as pessoas constroem seu círculo de convívio e os modos de apropriação do espaço, a partir do estudo de determinados lugares da cidade, tais como a Esplanada dos Ministérios, a Praça dos Três Poderes, o Setor Comercial Sul, a Plataforma Rodoviária, o Parque da Torre, a Superquadra Norte 405/406 e o Paranoá, notou o esvaziamento dos espaços abertos de uso coletivo e sugeriu tal tendência como sendo reflexo da materialização de aspectos políticos, o controle instrumental sobre o espaço através de agentes da máquina do Estado, como também de aspectos ideológicos e mais além disto, fruto da própria morfologia física e da estrutura de localização das atividades no tecido da cidade, ou seja, inerente à própria natureza da capital.
Sobre a morfologia urbana da Brasília dos anos 80, Maria E. Kohlsdorf em “As imagens de Brasília” (1985) a descreve como um tecido descontínuo e heterogêneo, composto por núcleos morfologicamente distintos e fisicamente distantes, porém vinculados como partes complementares de um todo, no qual assumem funções diversificadas. Ao compreender a morfologia da capital como sendo oriunda de diferentes relações de produção do espaço e retrato de distintas formas de gerência do mesmo, a autora identifica o Plano Piloto, os alojamentos de obra, as cidades satélites e as invasões como morfologias decorrentes da ação do Estado, ainda que algumas delas tenham se manifestado a revelia dos planejadores. Assim, compara e analisa tais morfologias com o auxílio de categorias de análise de configuração urbana, como sítio físico, silhuetas, planta baixa, tipologia de edificações e a estrutura interna dos espaços, objetivando investigar características particulares capazes de oferecer elementos fundamentais para constituir a formação imagética da Capital Federal.
Seguindo com a abordagem das questões de percepção e apropriação da cidade, em “Imagens do espaço: imagens de vida” (1985), Lia Z. Machado e Themis Q. de Magalhães apontam que diferentemente de outras cidades, ao analisar o meio urbano de Brasília não há um desprendimento entre espaço e a avaliação do modo de vida, para as autoras o modo de vida “brasiliense” é totalmente explicado pela morfologia espacial e tudo então se torna típico, exclusivo e específico de Brasília. Assim, elas nos remetem a uma questão peculiar, por que se atribui tantas consequências à morfologia espacial de Brasília? Por que tanto dela se espera e se desespera? Para responder tal questionamento, Machado e Magalhães recorrem à análise das imagens e representações dos habitantes usuários de Brasília, diferenciados enquanto membros de “classes médias” e de “classes populares” e enquanto visões a partir do centro (Plano Piloto) e da periferia (cidades satélites) e avalia a capital como todo e qualquer espaço urbano, através dos recursos e do acesso aos equipamentos urbanos. Vista como um teste de uma concepção urbanística, procurava-se e esperava-se em Brasília uma nova sociabilidade urbana, a “cidade-utopia”, vista pelos planejadores e sobre o debate intelectual como a “cidade-espaço”, mas que em suas múltiplas faces não deixa de ser a “cidade-capital”, erguida aos moldes e reflexo do sistema capitalista.
Finalmente, encerrando a presente coletânea, o texto “Brasília: algumas especulações prospectivas” (1985) de Luiz A. Cordeiro e Gunter R. Kohlsdorf inova ao especular sobre o que poderá ou deverá ocorrer com Brasília, tendo em vista as possíveis formas futuras de ocupação. Para os autores, concebida através dos princípios urbanísticos da Carta de Atenas, Brasília foi pensada sem a especulação de que o formalismo racional, característico da concepção urbanística presente no seu projeto, poderia ser alterado. Em 25 anos, da inauguração da capital até o ano de publicação deste ensaio, o próprio processo de ocupação desfigurou em certos traços relevantes a ideia do projeto original. Deste modo, os autores fazem especulações prospectivas tendo em vista a ação dos agentes transformadores do espaço, entre eles o poder público, o especulador imobiliário, o empreendedor individual, etc., os avaliando à luz de certas probabilidades de ocorrência e aspirações a nível de planejamento urbano.